Ex-conselheiros do Carf e advogados viram réus sob acusação de negociar propina
Por: José Marques
Fonte: Folha de S. Paulo
Ex-conselheiros e advogados tributaristas se tornaram réus em ações penais que
envolvem suspeitas de pagamento de propina para influenciar decisões do Carf
(Conselho de Administração de Recursos Fiscais), órgão vinculado ao
Ministério da Fazenda que julga recursos em questões tributárias. As defesas
dos acusados negam irregularidades.
Desde o ano passado, a Justiça Federal de São Paulo acolheu ao menos duas
ações penais que discutem casos correlatos.
Uma delas, que está sob sigilo, trata de suspeitas de pagamento de propina para
cancelar uma dívida avaliada em R$ 161 milhões de uma empresa de turismo de
Guilherme Paulus, fundador da CVC —a atual CVC Brasil, que foi comprada
em parte por um grupo dos EUA, não é investigada.
Paulus também é réu no processo. Ele fez um acordo de delação premiada e
deve ser beneficiado em uma eventual decisão condenatória.
Os processos são relacionados à Operação Descarte, iniciada em São Paulo em
2018 para apurar fraudes relacionadas a empresas de limpeza pública. A
investigação avançou sobre suspeitas de crimes como sonegação fiscal,
corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo escritórios de advocacia.
A denúncia, recebida no ano passado, também tornou réus dois ex-conselheiros
do Carf: os advogados tributaristas João Carlos Cassuli Junior (relator do caso)
e Fernando Lobo d'Eça. Os fatos sob apuração ocorreram em 2014.
A defesa dos ex-conselheiros afirma que eles não cometeram nenhuma
irregularidade e dizem que as decisões sob suspeita foram decididas de forma
unânime nas turmas do conselho.
As turmas do Carf são compostas por conselheiros indicados pelos
contribuintes —em geral advogados tributaristas— e também por integrantes
da Receita Federal.
O processo que envolve Paulus é referente à Operação Checkout, uma das fases
da Descarte, deflagrada em 2019. Na denúncia sobre o caso, apresentada em
2023, a Procuradoria acusou os envolvidos de corrupção e lavagem de dinheiro.
A denúncia assinada pelo procurador Vicente Mandetta diz que um auditor da
Receita Federal violou o sigilo profissional e alertou um lobista sobre a lavratura
de um auto de infração contra a operadora de viagens.
De acordo com a Procuradoria, o auditor e advogados que negociavam decisões
sobre disputas tributárias receberam propinas para aliviar a dívida da operadora
tanto na Delegacia Tributária de Campinas (SP) como no Carf.
Os dois ex-conselheiros, segundo o Ministério Público, teriam recebido R$ 5
milhões em dinheiro vivo para votar a favor da empresa e reconhecer a
possibilidade de analisar um recurso fora de prazo.
O resultado do julgamento cancelou a dívida e extinguiu a possibilidade de
recurso por parte da Receita.
Os dois ex-conselheiros foram denunciados por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. Guilherme Paulus responde por corrupção ativa e lavagem.
Também houve advogados e empresários denunciados no caso. Um desses
advogados, Eduardo Rocca, foi denunciado ainda no segundo processo, aberto
pela Justiça Federal este ano.
O Ministério Público Federal afirma que ele teria solicitado R$ 350 mil para
conseguir decisão favorável do Carf para uma empresa de borrachas especiais e
bombas nitrílicas. Os conselheiros do caso não foram denunciados, por falta de
provas.
As supostas negociações foram baseadas em depoimentos apresentados por
outro advogado, que se tornou delator e também foi denunciado no processo.
As investigações apontaram inúmeros saques de valores em espécie e uso de
uma empresa em nome de uma terceira pessoa para a emissão de notas fiscais
que seriam fictícias, com o objetivo de lavar o dinheiro.
A defesa de João Cassuli diz que a acusação do Ministério Público Federal
contra ele é "uma aventura jurídica".
"O inquérito policial comprova de forma robusta que João Cassuli conduziu os
processos que relatou de forma isenta e técnica. O voto proferido foi
juridicamente fundamentado em sólida jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, e foi acompanhado à unanimidade pelos demais conselheiros, inclusive
pelos representantes da Receita Federal", diz o advogado Guilherme Favetti.
"Não houve sequer recurso por parte da PGFN [Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional]. A defesa confia que o Poder Judiciário rejeitará
sumariamente a denúncia."
O advogado de Fernando Lobo d'Eça, Gerson Mendonça, afirmou estar
confiante de que a Justiça Federal absolverá seu cliente.
Ele afirma que o julgamento do Carf mencionado na denúncia contou com o
voto de todos os conselheiros que compunham a turma julgadora, e que a
decisão não foi objeto de recurso.
"Ademais, a decisão unânime do Carf seguiu entendimento do STF sobre a
matéria objeto do recurso. Vale lembrar que a decisão do Carf foi submetida
novamente à 4ª Turma, dois anos depois, tendo os conselheiros, em nova
composição da turma (sem o Dr. Fernando), julgado novamente a matéria com
o mesmo resultado", diz Mendonça.
Ele também afirma que um inquérito preliminar da Corregedoria do Ministério
da Fazenda contra Lobo d’Eça, que tratava do mesmo tema da denúncia, foi
arquivado.
O advogado de Eduardo Rocca, Jair Jaloreto, afirma em nota que o processo
aceito neste ano contra seu cliente "deriva de uma delação premiada maldosa e
mentirosa, cujo objetivo foi somente beneficiar o delator e proteger sua
família".
"Na investigação policial que precedeu o processo, a autoridade policial federal
já se manifestou pelo arquivamento pois, após cuidadosa análise, entendeu pela
falta de qualquer indício de cometimento do crime por parte do meu cliente. E
isso será comprovado, também, no processo criminal. Temos certeza que ao
final a inocência dele será demonstrada, e a Justiça se restabelecerá", disse.
A reportagem procurou Guilherme Paulus, mas ele não respondeu aos
questionamentos enviados. Anteriormente, o empresário disse que "firmou
acordo com o Ministério Público Federal e a PF, tornando-se colaborador da
Justiça". Também afirmou que prestou os esclarecimentos solicitados pelas
autoridades e assumiu compromisso de confidencialidade sobre seu
depoimento.
Em 2015, o Carf chegou a ter suas atividades suspensas por causa da
deflagração da Operação Zelotes, na qual a Polícia Federal investigou um
esquema de venda de sentenças.